O convite à (re)pensar o lugar da solidariedade no itinerário do mundo social é um convite a estar atento para o distanciamento e o fracionamento das relações e disposição em servir. Os discípulos foram logo avisados que seriam maiores quanto mais servissem, quanto mais “desconfortáveis” na posição de lutarem por eles mesmos, disputando um lugar ao sol com o seu próximo. A solidariedade é artigo raro no mundo atual. Os discípulos de Jesus a alcançaram ao se deixarem “serem afetados”, são alcançados pela afetividade, ao permanecerem com Jesus, que não se omite, se deixa afetar, se envolve, oferecendo a si mesmo como um lugar de descanso.
A ausência da solidariedade levanta questionamentos nos pensadores, observadores do mundo moderno, que reconhecem as lacunas impossíveis de serem preenchidas se não for por ela. Bastaria apenas citar um observador com a nobreza e a repercussão de um Zygmunt Bauman:
“A uma sina comum bastaria a tolerância mútua; o destino comum requer solidariedade. O direito do outro à sua estranheza é a única maneira pela qual meu próprio direito pode expressar-se, estabelecer-se e defender-se. É pelo direito do outro que o meu direito se coloca. ‘Ser responsável pelo Outro’ e ’ser responsável por mim mesmo’ vêm a ser a mesma coisa.”
O filósofo Emmanuel Lévinas tem o mérito de propor o “eu” como uma morada, e aqui nos serve refletir sobre a pergunta dos discípulos sobre a morada de Jesus. Usando a “ótica” de Lévinas, os discípulos perguntam a Jesus: “onde moras”, ao que Jesus responde “vinde e vereis”. Pensando assim, a resposta de Jesus não poderia ser outra. Se o “eu” pode ser entendido como morada, Jesus não “reside” em si mesmo (de si mesmo ele esvaziou-se), o “eu” de Jesus está entregue, aberto para quem quiser vir, alcançar a luz, que é vida, conhecer a verdade que liberta. O “eu” de Jesus se dispõe a servir, a se relacionar e a ensinar como se relaciona, caminha na história humana, nos alcança, Ele passa, e nós devemos segui-lo, para aprender com ele e com ele permanecer.
Lembra Ozanan Carrara que, para Lévinas, “diante da fragilidade do outro, ele é expulso do ser, ele se sente mal em sua pele, e questionado em sua perseverança no ser, é impedido de repousar em si, e constrangido a se desprender de si (...)”. Isso apenas para nos ajudar a entender, sob outra perspectiva, que o seguimento de Jesus requer, necessariamente, que o outro esteja incluído. Ninguém segue ao Mestre objetivando as “benesses” que pode receber e para a sua realização individual. O Messias veio, também, para trazer a sua libertação de nossas “prisões” do mundo egoísta, da caminhada solitária e infeliz.
Todos somos chamados para esta caminhada, para este permanecer, como sendo a maior experiência de espiritualidade e vivência, que podemos alcançar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário