domingo, 11 de março de 2007

O Conto de Sara

*Ilustração do livro de Hans Crhistian Andersen

Era a mais perfeita manhã, e era indiscutivelmente a brisa mais suave que Sara havia sentido, porque era um costume seu comparar a brisa que sentia correr hoje, com a que sentira correr ontem. Um hábito bastante incomum, claro, mas era assim que ela se identificava mesmo, incomum.

Ergueu a cabeça, sorriu, abriu os braços, deixou que a imaginação desenhasse uma imagem, uma cena, um lugar. Sabe aquelas cenas em que a personagem para encima de uma montanha, na beirinha, um vento sopra, move seus cabelos, ela abre os braços, sorri, e a câmera dá aquele trezentos e sessenta graus em torno dela, para filmar toda a paisagem? Foi nisso que ela pensou.

Mas o cinema ainda confronta limites que a imaginação pode livremente ultrapassar. Não é uma montanha, é um bosque, e nele não se pisa em gramas, é, com muito cuidado, em girassóis, grandes, gigantescos, como folhas de... alface. Então era isso, um tapete de girassóis. Tantas borboletas, que se fosse noite, a quantidade de estrelas no céu certamente perderiam. O céu, aliás, este era tão azul que parecia ser possível toca-lo, porque imaginava que nada tão azul poderia estar tão distante. Mas estava, é claro, porque afinal de contas céu é céu.

Penso que queria correr, correr, correr... passando pelas árvores. Não digo entre as árvores, estou dizendo passar por elas. É que todas elas eram abertas como um túnel, sim, formavam um túnel literalmente quando estavam sobrepostas uma bem atrás da outra. Penso que por isso Sara não passou.

Mas a voz chamou alto o seu nome. Tudo acaba como um desencanto. Tudo que fora construído com tanto detalhe, acabara como um desencanto. Sara abre seus olhos, apenas por abrir, é claro. Quando o braço de sua companhia cruza com o seu, ela volta a caminhar, e ainda sorri. E eu ficava pensando porque Sara não lamentava a visão que nunca teve, imaginando mesmo que a resposta fosse a oportunidade que perderia de ver como apenas ela, de maneira ricamente particular, poderia ver.

Ronilso Pacheco

O Tombo da Montanha sem Cor

São os rumos que temo
A trajetória estranha da humanidade
No instante em que a terra poderia até parar
Se até ontem não parou
Hoje poderia
Ou amanhã pararia

Toda trajetória é história
E conto com pressa as alternativas que já foram
E calculo com receio as alternativas que restam
Que até ontem restavam
Que hoje ainda resta
Mas amanhã não restaria

Nós seguimos vacilantes
Como um tombo da montanha sem cor
Como as pedras que rolam num eterno avançar
Que até ontem avançava
Que hoje do avanço ainda resta
Mas amanhã pode parar

sexta-feira, 2 de março de 2007

Eles me disseram...

"Weder den vergongenen anheinmfallen noch den zukünftigen. Es kommt darauf ein ganz gegenwartig zu sein"
"Não almejar nem os que passaram nem os que virão. Importa ser de seu próprio tempo"
Karl jaspers
"A corrente subterrânea da história ocidental veio a luz e usurpou a dignidade de nossa tradição. Essa é a realidade em que vivemos. E é por isso que todos os esforços de escapar do horror do presente, refugiando-se na nostalgia por um passado ainda eventualmente intacto ou no antecipado alívio de um futuro melhor, são vãos."
Hannah Arendt

Obrigado, Grande Peixe!!!

Um dos filmes da minha semana de descanso já antes da semana do carnaval foi "Peixe Grande", de Tim Burton. Nunca levei Burton muito a sério, embora goste de muitos de seus filmes. É um filme que deveria estar na minha lista ao lado, mas seria pouco. Talvez nem tanto pelo que o filme "tecnicamente" pode apresentar, na verdade isso tá contando muito pouco aqui. Mas sim pelo que ele proporcionou a mim e minha esposa, alcançar com sua narrativa.
A história de Edward Bloom e seus contos maravilhosos, sua riqueza de criatividade, para tornar tudo interessante para o seu filho, que mesmo assim cresce e se torna um burocrático, homem tolhido da liberdade imaginativa que deveria ter herdado do pai.
Mas ao resolver investigar cada história dita pelo velho Bloom, o agora homem casado Will, descobre que seu pai não mentiu em momento algum, mas "pintou" e deu "sabor" a tudo que dizia, e construiu uma vida brilhante, não só de grandes histórias, mas de granes amigos, por sua simplicidade, companheirismo, carisma... e fidelidade.
E foi assim que quando terminamos de assistir a primeira vez (porque já vimos umas três ou quatro até agora) eu estava satisfeito com o que vi e minha esposa chorava. A diferença entre eu e ela? Errou quem apostou na velha diferença da sensibilidade homem-mulher. No fim, eu havia visto um filme carismático, que brinca com a imaginação como eu gosto de brincar. E ela, vira um filme que a fez lembrar o tempo todo de seu relacionamento com Deus. das vezes em que ela precisa escolher crer, naquilo que no fundo do seu coração, na medida em que ela amadureceu como pessoa culta e informada, perdeu a "possibilidade" de ser.
Tantas passagens na Bíblia, tantas histórias impossíveis de serem provadas, tantas narrativas "desenhadas" como um conto infantil, em que a frase "Deus pode tudo" entra não como uma convicção, mas como uma pedra gigantesca para dizer "não vamos ficar pensando nisso". E ela se viu como o homem Will, despido dessa capacidade imaginativa. lembramos que as vezes, a frase "Deus pode tudo" pode ser entendida como "Deus é genial, criativo, inovador".
Então, o seu choro, foi quase como um perdido de perdão. Como dizendo ao Senhor que um dia, o veremos, e conheceremos suas histórias maravilhosas, bem de perto. Compreenderemos todas elas, veremos aquelas pessoas especiais, de aventuras memoráveis. E enquanto isso, hoje, podemos ser menos "armados" para a riqueza imaginativa contida em nós. Não é um balaão que voa sem controle, é uma herança.
Ronilso Pacheco

O Tamnho das Nossas Possibilidades

Dias difíceis este em que as discussões giram em torno da brutalidade dos criminosos das cidades, que, cada vez mais, tornam seus crimes mais parecidos com as cenas chocantes dos filmes de serial killer que vemos com atenção. Ou pior, quando reproduzem métodos que só ouvimos falar ou vimos vagamente nos telejornais, tendo sido usados pelos criminosos de guerra do oriente médio ou dos “rebeldes selvagens tribais” do continente africano.
Mas agora parece tudo tão igual. Em tempos de globalização acelerada, a “globalização da violência” ou dos seus métodos parece ser uma conseqüência demasiadamente incômoda, além de é claro, assustadora.
Dias difíceis este em que mais uma vez, se recusando a compreender a totalidade da situação que nos envolve, a sociedade prefere simplificar e diminuir a visão, debatendo sobre diminuição de maioridade penal. É o preço que se paga quando se vive em função de fórmulas. Quando elas perdem a capacidade efetiva, alteramos. Mas este é um Mundo “desencantado”, que neutralizou as fórmulas, e nos pede para pensarmos, sermos um pouco mais racionais. E ser racional aqui não significa frieza na decisão, mas a sensibilidade apurada de perceber, compreender e discernir as nuanças de um tempo que nos surpreende.
Dias difíceis este em que toda situação for a de controle, se agiganta diante de nossas possibilidades, que reduzem, em tamanhos assustadores e nos obriga a recuar, e recuar, e recuar, até se esconder. Qual é o tamanho da nossa possibilidade coletiva diante do mundo que nos intimida?
Dias difíceis estes em que a racionalidade, aquela que me referi, parte, em que Deus parece ter sido substiuido pelas fórmulas (individuais e coletivas) e as nossas possibilidades, se perderam no mar.
Ronilso Pacheco