domingo, 10 de junho de 2007

A Destruição do Passado 2


A ubiqüidade do presente permanente que não se transforma em passado, mas é substituído pelo novo presente gerado, empurra a humanidade para a perda da memória coletiva. Todos os fatos do “ontem” perdem sua conexão com o “hoje”, por mais próximo que eles estejam, pois este vínculo foi rompido. O “ontem” não pode servir para explicar o “hoje”, porque este último está constituído das construções de uma realidade que acaba de nascer, cuja informações e linguagens só se encaixam no “agora”.

No romance de Carlos Fuentes, a personagem Laura Diaz lia muito antropologia e história antiga do México para compreender o presente que fotografava. Na letra de Milton Nascimento e Fernando Brant, se muito vale o já feito / mas vale o que será / e o que foi feito / é preciso conhecer / para melhor prosseguir. Tanto a primeira quanto a segunda citação (em certa medida, até mais a segunda que a primeira), ficaram entrincheiradas na modernidade, pois no momento em que a velocidade destruiu a distância e, conseqüentemente, o vínculo com o passado próximo ou distante, ter referenciais no pretérito se tornou algo como dirimir-se na descontinuidade do “agora”.

Essa descontinuidade também é produto evidente da quantidade de informações. Se a distância já não existe de fato, nada mais separa ou retarda o ir e vir de informações. Este intenso fluxo que percorre o mundo não dá espaço para a reflexão, arremedando a lógica do mercado – também este desprovido dos limites da distância, mas envolvendo uma outra problemática – do mundo contemporâneo. A informação, que é imediata, agora é, consequëntemente descartável, será “destruída” em questão de segundos. O “agora” é a própria informação que se apresenta e evidencia, as referências do agora são as informações, as imagens e as repercussões do atual, do hoje exatamente, e deste modo, é mesmo viável que o “antes” seja empurrado para o esquecimento.

Se esta nova lógica rompe – ou ao menos altera de maneira bastante preocupante – as relações humanas, ou a reduz a muito pouco, se o passado se resume a mera e vaga lembrança do que um dia pode ter sido algo, mas que de qualquer forma não serve para explicar o atual, se a localidade é a periferia dos não-extraterritoriais, então é muito viva a inferência de que Fredric Jameson tenha razão: o pós-modernismo é o que se tem quando o processo de modernização está completo e a natureza se foi para sempre.

Ronilso Pacheco

A Destruição do Passado 1

A popularização da internet obsoletizou, quase que totalmente, as correspondências comuns. Não só. Há um triunfo de um conflito aí. As correspondências respeitavam (estavam evidentemente submissas) as distâncias. Precisavam, como ainda precisam, viajar no tempo e no espaço para alcançar e “aproximar” pessoas. A internet, através do e-mail, não só rompeu este processo, como também pode impor ao homem o “tempo” da máquina. Na verdade, a internet inverteu a lógica do tempo do homem – porque sua massificação a tornou extremamente comum – e jogou a todos dentro de um presente imediato e permanente. Ao que Marc Bloch teria identificado como a categoria da duração, a comunicação pós-moderna impôs a descontinuidade, o que seria um presente que não cessa diante da sucessão de fatos que se apresentam e estão simultâneamente disponíveis, sem que suas relações entre si sejam necessáriamente levadas em conta.

Para Eric Hobsbawm, quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com o passado público da época em que vivem. O que o historiador inglês chama de a destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – irrompe agressivamente à influenciar as relações humanas, os homens com os meios, os meios dentro das estruturas e a interação de tudo isso.

Todos os dias, milhões de pessoas pelo mundo se dirigem para os seus respectivos trabalhos, não antes de adquirirem seus jornais diários, que darão a elas as informações julgadas interessantes sobre suas respectivas localidades, países e o mundo. Mas estas mesmas pessoas não se encontram mais no tempo do “agora” das informações. Uma outra parcela de cidadão do globo estarão, estes sim, no instante da notícia ao acessarem os sites dos mesmos jornais que aqueles. Neste caso, o tempo que separa a compra do jornal e a chegada ao trabalho dos primeiros, é o tempo que os colocarão inevitavelmente no atraso com relação aos segundos. Para os primeiros, o gerador da informação e da notícia – o objeto noticiado – permaneceu estático, enquanto viajava no tempo/espaço para alcançar seus respectivos receptores. Para os segundos, não existindo a distância e o espaço, o gerador da informação e da notícia permanecem vivos, interagem com seus receptores num ir e vir de reações.
Ronils Pacheco