sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A dimensão ética da espiritualidade do seguimento de Jesus .I

O trecho de João 1. 35-39 é uma preciosidade quanto ao convite de Jesus e ao seguimento por aqueles que acolhem o convite. É perturbador saber que esta dimensão relacional e de compromisso entre mestre e discípulo, linda, ao mesmo tempo tão divina e tão humana, tenha se distanciado tanto de muitas de nossas relações como Igreja e servos dos dias de hoje. Mas abaixo, uma tentativa de ao menos lançar luz sobre alguns aspectos tão relevantes do que esta passagem vem nos lembrar.

Das muitas questões que saltam aos olhos neste trecho, uma certamente é o caráter da comunhão (que agrega o caráter do relacionamento, da intimidade, do compartilhar), e da responsabilidade a que os discípulos são chamados com o convite de Jesus. A adesão é, e precisa ser, voluntária, mas as responsabilidades que ela abarca são conseqüências impossíveis de serem evitadas. Toda escolha traz uma conseqüência, e os discípulos sabiam disso. “Onde moras”, era o que eles queriam saber, apenas para ir, porque entenderem em Jesus aquele a quem deveriam seguir.

Gustavo Gutiérrez vai chamar a atenção para o fato de que o “seguimento de Jesus não é uma questão individual. Trata-se de uma aventura coletiva. (...) Encontro realizado em comunidade: ‘Encontramos o Messias’. Os primeiros discípulos de Jesus formam, com aqueles que virão, um núcleo modelar para o exercício e o ensino do relacionamento orientado pelo Mestre, e ali as responsabilidades de comunhão e cuidado caminham juntas. Não cuidado individualista, mas partilhado, aprenderão, e ensinarão, uma vida que inclui o outro, o chamado para uma vida aberta ao outro ao ser aberta para Cristo.

Ele acampa entre nós, e, portanto conhece nossa história, conhece nossos desafios, presencia que o rumo de nossa trajetória neste mundo é o medo e o individualismo, a auto preservação, um se fechar em si mesmo, uma competitividade que não se abre a solidariedade, um exercício de uma liberdade perniciosa, que sufoca a liberdade do outro. Os discípulos permanecem com Jesus, e ao longo do caminho, vão aprendendo essa entrega, uma entrega que vai até às últimas conseqüências, com a vida se for possível. Gutiérrez faz questão de lembrar essa entrega (“ninguém me tira a vida, sou eu quem a dá” – Jo.10, 18), desta “livre determinação de entregar sua vida em solidariedade para com os que se encontram sob o jugo da morte”, desta liberdade que é oferecida e razão de existir em função do outro. O chamado de Jesus é entendido pelos discípulos como um chamado a libertação e para uma vida de liberdade, mas esta liberdade não se referencia pela concepção de liberdade que o mundo construiu, mas sim, como Paulo bem aprendeu, e recomendou em Gl. 5, 13-14, uma liberdade que se lança para fora.

É um itinerário que sai em busca e se oferece para ser encontrado. Jesus não parou para convencer André e o outro discípulo, ele passava, e coube a João Batista apontá-lo e indicar aos seus discípulos que eles buscavam o “Cordeiro de Deus”, e eles tinham a oportunidade de segui-lo agora. Na realidade e na história estão este morar, onde a “salvação” quer “permanecer”. Diz Edward Schillebeeckx:

“Salvação-vinda-de-Deus realiza-se em primeiro lugar na realidade mundana da história e não primariamente na consciência dos crentes, que sabem dela. (...) A história dos homens, a vida dos homens em sua relação mútua, é o lugar em que se realiza o processo de salvação ou não-salvação”.

Portanto é importante entender a vocação e o chamado de Jesus não para uma vida contemplativa que implica em desfrutar das “benesses” do Mestre em sua satisfação pessoal-individual, mas sim na construção de uma caminhada comum, que ensina o homem a viver, sobretudo a viver com o outro. Aqui cabe dizer que neste itinerário proposto por Jesus, é espaço confortável para a solidariedade. Os discípulos precisavam entender: seguir Jesus era deixar rastros de solidariedade por onde passavam.

A dimensão ética da espiritualidade do seguimento de Jesus .II

O convite à (re)pensar o lugar da solidariedade no itinerário do mundo social é um convite a estar atento para o distanciamento e o fracionamento das relações e disposição em servir. Os discípulos foram logo avisados que seriam maiores quanto mais servissem, quanto mais “desconfortáveis” na posição de lutarem por eles mesmos, disputando um lugar ao sol com o seu próximo. A solidariedade é artigo raro no mundo atual. Os discípulos de Jesus a alcançaram ao se deixarem “serem afetados”, são alcançados pela afetividade, ao permanecerem com Jesus, que não se omite, se deixa afetar, se envolve, oferecendo a si mesmo como um lugar de descanso.

A ausência da solidariedade levanta questionamentos nos pensadores, observadores do mundo moderno, que reconhecem as lacunas impossíveis de serem preenchidas se não for por ela. Bastaria apenas citar um observador com a nobreza e a repercussão de um Zygmunt Bauman:

“A uma sina comum bastaria a tolerância mútua; o destino comum requer solidariedade. O direito do outro à sua estranheza é a única maneira pela qual meu próprio direito pode expressar-se, estabelecer-se e defender-se. É pelo direito do outro que o meu direito se coloca. ‘Ser responsável pelo Outro’ e ’ser responsável por mim mesmo’ vêm a ser a mesma coisa.”

O filósofo Emmanuel Lévinas tem o mérito de propor o “eu” como uma morada, e aqui nos serve refletir sobre a pergunta dos discípulos sobre a morada de Jesus. Usando a “ótica” de Lévinas, os discípulos perguntam a Jesus: “onde moras”, ao que Jesus responde “vinde e vereis”. Pensando assim, a resposta de Jesus não poderia ser outra. Se o “eu” pode ser entendido como morada, Jesus não “reside” em si mesmo (de si mesmo ele esvaziou-se), o “eu” de Jesus está entregue, aberto para quem quiser vir, alcançar a luz, que é vida, conhecer a verdade que liberta. O “eu” de Jesus se dispõe a servir, a se relacionar e a ensinar como se relaciona, caminha na história humana, nos alcança, Ele passa, e nós devemos segui-lo, para aprender com ele e com ele permanecer.

Lembra Ozanan Carrara que, para Lévinas, “diante da fragilidade do outro, ele é expulso do ser, ele se sente mal em sua pele, e questionado em sua perseverança no ser, é impedido de repousar em si, e constrangido a se desprender de si (...)”. Isso apenas para nos ajudar a entender, sob outra perspectiva, que o seguimento de Jesus requer, necessariamente, que o outro esteja incluído. Ninguém segue ao Mestre objetivando as “benesses” que pode receber e para a sua realização individual. O Messias veio, também, para trazer a sua libertação de nossas “prisões” do mundo egoísta, da caminhada solitária e infeliz.

Todos somos chamados para esta caminhada, para este permanecer, como sendo a maior experiência de espiritualidade e vivência, que podemos alcançar.


“Os guaraos, que habitam os subúrbios do Paraíso Terrestre, chamam o arco-íris de serpente de colares e de mar de cima do céu. O raio é o resplendor da chuva. O amigo, meu outro coração. A alma, o sol do peito. A coruja, o amo da noite escura. Para dizer ‘bengala’, dizem neto contínuo, e para dizer ‘perdôo’, dizem esqueço.”

Extraído do livro Memórias do Fogo vol. 1, Os Nascimentos, de Eduardo Galeano

Os deserdados do êxodo...

“But i still haven’t found

What I’m looking for”

U2

Muito já se tem falado sobre esta nova classe de cristãos protestantes que emerge com cada vez mais força e destaque nas pesquisas sociais quantitativas que têm sido desenvolvidas em território brasileiro, os protestantes, ou evangélicos, não praticantes. Parece que líderes e igrejas se assustam com a possibilidade de crescimento deste grupo que parece querer seguir o seu próprio caminho. Mas parece ser oportuna também a música da banda irlandesa U2, em que Bono Vox canta: “mas eu ainda não encontrei o que estou procurando”. Então, eles partiram rumo ao deserto.

Ao que tudo indica, um número cada vez maior de pessoas não parece sentir-se representado por seus líderes ou as instituições eclesiásticas que haviam escolhido. Partiram então para o seu próprio deserto, e num novo êxodo, procuram seguir e ouvir a voz que clama no deserto, e parece não ser ouvida fora dele. E eles partiram rumo ao deserto. Ao que parece, a força da realidade cotidiana é tão maior quanto o mundo de promessas, de bênçãos prometidas “em nome de Jesus”, das vitórias invencíveis, permanentemente presente na vida dos “verdadeiros” servos, das profecias que proclamam uma vitória individual no plano espiritual, mas não fomentam uma vida de solidariedade e cuidado com o outro no plano da dura realidade da vida. E eles partiram rumo ao deserto.

Ao que parece, estes deserdados não estão muito preocupados com a nova classe sociológica que estão construindo, mas sim com uma convicção, um aprendizado e uma busca. A convicção é a de que eles entenderam que dificilmente sobreviverão sem darem a devida atenção às palavras de Jesus, o Cristo libertador. Entenderam que de fato há uma grande possibilidade de viver mais e melhor e não ser engolido pelas angústias de nossas lutas diárias, se levarmos a sério que devemos chorar com os que choram, ter fome de justiça, sermos misericordiosos e pacificadores, e tudo isso não em congregações somente, mas na dimensão global da vida. O aprendizado é que eles, muitas vezes, não alcançaram isso devidamente entre as quatro paredes que freqüentavam, alguma coisa não batia, alguma referência se perdeu. E a busca é esta que continua, alcançar a voz que clama, ouvir o que ela diz, viver o que ela prega, ir onde ela chama. Então eles partiram rumo ao deserto, e parece que ouvir o que eles têm a dizer poderá ajudar a quem quiser buscá-los, abraçá-los ou segui-los.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Com o Euro manchado e o Orgulho ferido

De maneira cada vez mais veloz a Europa vai se tornando um assombro, fragilizada pela e corroída por uma crise que persiste, sem solução, e sem condições de, ao contrário do que espera seus líderes, permitir a recuperação simultânea de todos os integrantes da zona do Euro, sem prejudicar os que ainda resistem.

Mas enquanto este dilema permanece preenchendo as páginas da imprensa internacional, voltada para o esfacelamento econômico da Grécia e o vexame moral da Itália com a queda de seu "imperador", o cotidiano é cada vez mais árduo e penoso para o cidadão europeu comum. A realidade do desemprego, que avança como uma onda tissunâmica, é agora acompanhada de condição de pobreza e miséria que fere o orgulho europeu, terra do "berm-estar social".


Mais estratégia, menos ética, por favor...


E lá se vai (embora até o momento não concretizado) mais um ministro do governo Dilma, para euforia da oposição e desespero de seus aliados, que vão presenciando a desconstrução sistemática do ciclo de poder original montado por ela.

apego ao poder

O caso do ministro Carlos Lupi repete a lógica de todos os acusados que vieram abaixo até aqui: primeiro, a acusação; segundo, a reação e o discurso contra o "absurdo" da acusação, acompanhado, é claro, da certeza da inocência; terceiro, a repercussão do caso e o desgaste de ter de lidar com ele; quarto, cogita-se a renúncia (ou a queda), que é acompanhada, é claro, da negação indiscutível; por fim, o quinto ponto do processo, a renúncia (ou a queda) torna-se ienevitável.

No entanto, o apego ao poder é, para ministros e deputados, tão forte quanto suas convicções de inocência. Nessas horas, partidos pensam como uma espécie de "indivíduo coletivo", ou seja, se um ministro corre o risco de sair, não importa se há outro com competência e idoneidade mais coerente para ocupar o seu lugar, pois neste momento o ministro "é o partido". O acusado deve ficar, independente do que haja, mas se for inevitável sair, é o partido quem decide quem o substituirá.

estratégia sim, ética não

Portanto, partidos e seus políticos, não pensam eticamente, mas antes, pensam apenas estrategicamente. Vale não dar a oportunidade de que outros ocupem o lugar que é deles "por direito". Como numa espécie de "war da democracia", partidos buscam ocupar territórios que, ao serem conquistados, não devem ser cedidos ou perdidos, mesmo que nitidamente o prejuízo supere qualquer avanço e credibilidade.

ronilso.pacheco